#aprimeiravezninguémesquecemasasegundaémelhor
Perguntou Cris Dias: "Vocês ainda recebem muito email na caixa postal? Quantos % foram escritos por pessoas de verdade, pra você, e não por newsletters, alertas, promoções, etc.?". Até bem pouco tempo atrás, diria que, com exceção dos e-mails de trabalho, menos de 5% das mensagens que chegavam em meu mailbox eram de pessoas físicas. De resto, só recebia avisos de promoções de passagens aéreas, camisetas ou programas de afinidade, newsletters como as do Canal Meio e Nexo Jornal, press-releases e os spams de sempre.
Pois bem: semana passada enviei a primeira edição desta newsletter e minha caixa postal voltou a receber correspondências pessoais, com críticas, elogios e até convites pra tomar café e botar os assuntos em dia. Fica a dica, pois, para quem deseja ressignificar sua caixa postal. :) Ah, e não se esqueça, por favor, de ajudar a divulgar esta modesta, porém limpinha newsletter: http://bit.ly/AssinePenseNisso.
Se eu fosse dar um conselho para a juventude brasileira, seria este: não aceite balas nem drinks de estranhos, e tampouco acate pedidos de RTs ou compartilhamentos de postagens sem que sejam feitas as devidas apurações. Que o diga a galera que, na semana passada, foi impactada com o tweet de uma guria que narrava a história comovente de seu pai, dono de duas livrarias com problemas financeiros, que estaria vendendo livros a partir de R$ 4,90 a fim de salvar seus estabelecimentos.
Milhares de RTs divulgaram este drama, até que a Andreia Freitas (@naoinviabilize no Twitter) tomou uma providência básica: ligou para uma das livrarias citadas no post, a fim de conferir a história. Ao conversar com a funcionária Cristina, Andreia descobriu que, por causa da repercussão nas redes sociais, diversas pessoas estavam se dirigindo às lojas querendo comprar os livros em promoção. Nenhum funcionário estava sabendo de nada, não havia oferta nenhuma nas lojas e diversas pessoas acabaram comprando livros só para ajudar um "pobre" empresário. Ou seja: algum incauto conseguiu inventar uma nova modalidade de fanfic com fins marqueteiros. Este mundo, definitivamente, não é para inocentes.
O tweet da semana, por @bandstrops:
- Pessoas podem levar suas vidas como uma mentira. Minha avó, eu sempre achei que ela teve uma vida amorosa simples e descomplicada. Mas ela me confessou que passou a vida toda sonhando com outro homem por quem foi apaixonada. E simplesmente aceitou seu destino. É tão triste! Ao mesmo tempo, eu amo a ideia de que ela teve todas essas emoções e sentimentos que nunca imaginei que poderia ter.
- Garanto que foi melhor assim. Se ela tivesse tido a oportunidade de se relacionar com ele, tenho certeza de que ele a teria desapontado em algum momento.
- Como é que você sabe? Você não os conhece!
- Eu sei, eu sei. Mas as pessoas têm essas projeções românticas que elas colocam em tudo. Você sabe, isso não é baseado em nenhum tipo de realidade.
Romances cinematográficos costumam se assemelhar a ficções científicas, idealizando o amor de uma maneira quase nociva, alimentando ilusões como quem molha Gremlins. Mas os momentos românticos passam; e, quando a realidade chega, junto com o tédio, os problemas do dia a dia e os boletos para pagar, eis que o grande desafio de todo casal se impõe: é possível manter a paixão e o tesão mesmo quando as manias do outro se tornam idiossincrasias cada vez mais irritantes, a intimidade vira salvo-conduto para flatulências indisfarçadas, o beijo matinal não disfarça mais o bafo, os gestos de gentileza rareiam e perdem espaço para os comportamentos mecânicos que todos nós temos quando sucumbimos à rotina cotidiana?
Não é à toa, pois, que a história de Celine e Jesse, dois jovens que passam uma noite inteira conversando em Viena em "Antes do Amanhecer" (filme de 1995), separam-se e só voltam a se encontrar nove anos depois, em "Antes do Pôr do Sol" (2004), e acabam por se tornar um casal em crise retratado em "Antes da Meia-Noite" (2013), chamou tanto a atenção dos cinéfilos. Afinal, trata-se de uma atípica trilogia cinematográfica que consegue falar de amor de modo realista, driblando clichês piegas.
O distanciamento temporal entre os filmes fez com que eles fossem capazes de retratar bem o inexorável peso do tempo sobre duas pessoas, à medida em que rugas e rusgas vão surgindo paulatinamente. E a história é conduzida de forma tão convincente (a DR do casal em uma das sequências finais de "Antes da Meia-Noite" poderia ter sido a cena de um documentário sobre um dos meus relacionamentos anteriores) que um cinéfilo desavisado poderia crer piamente que aquele casal de ficção foi baseado em fatos reais. Pois bem: você sabia que Richard Linklater, diretor e roteirista da trilogia, de fato escreveu "Antes do Amanhecer" a partir de um encontro que teve na vida real? E que, do mesmo modo que foi retratado no primeiro filme de Jesse e Celine, começou de modo casual e resultou em uma conversa que durou uma noite inteira?
Foi em uma entrevista dada a Christopher Borrelli, do Chicago Tribune, durante a divulgação de "Antes da Meia-Noite", que Linklater contou pela primeira vez a história de como conheceu uma garota na Filadélfia, em 1989, em uma loja de brinquedos. E de como eles passaram a noite caminhando e conversando, vivendo aquele momento mágico em que duas pessoas até então estranhas começam a se conhecer, e a se interessar mais um pelo outro. Em um certo momento da noite, Richard chegou a comentar que aquela experiência poderia virar filme: não sobre as histórias que ocorrem após um casal se beijar, dormirem juntos e iniciarem um romance, e sim sobre o período de aprendizado e descoberta sobre outra pessoa. O nome daquela mulher, que foi a centelha de inspiração da primeira parte da trilogia de Linklater, foi revelado nos créditos finais de "Antes da Meia-Noite", filme a quem foi dedicado: Amy Lehrhaupt.
Richard e Amy não voltaram a se encontrar após aquela noite em 1989; eles moravam em cidades diferentes, e à medida em que voltaram a suas vidas cotidianas foram perdendo contato com o tempo e a distância. Quando "Antes do Amanhecer" entrou em cartaz, Linklater teve esperança de que Lehrhaupt visse a sinopse do filme e a reencontrasse em alguma sessão de cinema: isso nunca aconteceu. E, enquanto na ficção Jesse e Celine voltam a se encontrar, em "Antes do Pôr do Sol", quando a personagem de Julie Delpy vai a uma sessão de autógrafos do livro escrito por Jesse a partir daquela noite em que se conheceram, a vida real impediu que isso ocorresse simplesmente porque Amy havia morrido, algumas semanas antes do primeiro filme começar a ser filmado, após um acidente de motocicleta, aos 24 anos de idade.
Linklater só soube de sua morte três anos depois, quando um amigo de Lehrhaupt, que sabia daquele encontro em Filadélfia, lhe escreveu uma carta relatando os acontecimentos.
Em 2015, um fã dos filmes, o youtuber Jeff Rowan, ficou curioso a respeito de Amy e procurou por mais informações a respeito dela: não encontrou nada, mas descobriu quem era a sua mãe. Entrou em contato com ela, e por intermédio dela também conseguiu o contato de uma das melhores amigas de Lehrhaupt. A partir das conversas que teve e das fotos que recebeu, Jeff acabou fazendo um belo tributo em vídeo a Amy.
De que modo impactamos a vida das pessoas que conhecemos? Amy não pôde assistir ao filme que inspirou diretamente, mas graças a um encontro fortuito acabou impactando as vidas de milhares de outras que acompanharam a trilogia protagonizada por Ethan Hawke e Julie Delpy, que para mim representa uma das melhores representações cinematográficas de todas as implicações de um relacionamento amoroso. Ao pensar nisso tudo (e, obviamente, enlouquecer um tantinho mais), não posso deixar de lembrar deste diálogo de "Antes de Amanhecer":
"Acredito que, se existe alguma espécie de deus, não está em nenhum de nós. Nem em você, nem em mim, mas neste espaço entre nós. Se existe algum tipo de mágica neste mundo, deve estar na tentativa de entender alguém compartilhando alguma coisa. É quase impossível conseguir, mas quem se importa? A resposta deve estar na tentativa".
Perguntar não ofende, o mesmo já não posso dizer de algumas respostas. Mas os leitores desta newsletter são educados. :) Semana passada, fiz a seguinte pergunta:
Se te elegessem Presidente do Brasil, qual seria seu primeiro decreto?
- Viviane Vaz (Caderneta Colorida): Sincericídio com carinho seria lei. As pessoas teriam que ser mais honestas e sinceras, mas com gentileza, para com o próximo. Todas as coisas boas que as pessoas deixam de falar para as outras deveriam ser ditas, sob pena de prisão perpétua dentro de um coração gelado.
- Tiago Cordeiro (Crônicas no seu email): Primeiro decreto: isenção de impostos para fábricas de pochete. Segundo decreto: Vasco.
- Lia Amancio (Lounge42): Meu primeiro decreto seria licença-maternidade de 1 ano e aumento da licença-paternidade para 6 meses.
Pergunta da próxima semana: Se você criasse um bloco de Carnaval, qual seria o nome e que tipo de músicas tocariam durante o desfile? As respostas mais infames, edificantes e/ou surreais serão postadas aqui.
P.S. 1: Na manhã do último sábado, a Defesa Civil de Emergência do Havaí mandou, por engano, uma mensagem avisando a todos que um míssil havia sido disparado em direção ao arquipélago. Passaram-se longos 15 minutos até que a população fosse avisada que o alerta não passava de um engano. O que você faria se recebesse um aviso de que uma bomba estivesse prestes a cair onde você mora? Lucia Malla, brasileira residente há anos no Havaí, publicou um relato em seu blog.
P.S. 2: Está rolando no Catarse um projeto que almeja criar um banco de imagens inspiradoras composto por mulheres negras. Faltam 2 dias para acabar a campanha, que já arrecadou 92% dos valores almejados. Bora ajudar?
P.S. 3: Este que vos escreve também pode ser seguido no Instagram e no Twitter, deseja saber se o melhor dia para envio desta newsletter seria sábado, domingo ou segunda-feira, e acha estranhas pessoas que escrevem sobre si mesmas na terceira pessoa. ;)