#PenseNisso [S01E04] Olhe nos meus olhos, sustente meu olhar e me chame pelo seu nome
#IAmHumanAndINeedToBeLoved
A paixão começa com a construção idealizada de uma pessoa. Você conhece alguém ainda superficialmente, se sente atraído pela sua aparência física, troca algumas ideias, ela é sagaz, simpática, espirituosa. Você vai se deixando levar pelo momento, os olhos dela mergulham nos seus, ela sorri e pronto: você se apaixonou.
Apaixonar-se, em inglês, é "fall in love": na tradução literal, cair no amor. A expressão do idioma de Shakespeare me parece ser mais expressiva e sugestiva. Num momento anterior, você estava de boas; de repente, não mais que de repente, você dá uma tropicada, cai na arapuca da paixão, salta de bungee-jump e despenca no abismo vertiginoso de um olhar que não mais sai dos seus pensamentos.
Amar é a mais intensa manifestação da vida. E viver, todos nós sabemos, é correr riscos. Cair de cabeça em uma paixão não costuma ser mais ponderada das atitudes. E, se você já usou Tinder, Happn ou qualquer outro aplicativo de paquera, sabe que flertar com alguém tornou-se um ato simples, rápido, objetivo. Há muitas, muitas ofertas, a ponto de pessoas compararem a lista de usuários destes apps a cardápios de restaurante.
Em meio a tanta quantidade, não é difícil levar um "ghosting" (em bom português, o famigerado "levar um perdido"): você sai algumas vezes com alguém, até que ela deixa de responder seus e-mails, apenas visualiza suas mensagens, deixa dois traços azuis no WhatsApp no vácuo e, sem mandar mais sinais de vida, termina um relacionamento que mal começou. Fugindo de conflitos e DRs, sem maiores aprofundamentos, como um tropeção registrado fugazmente em um snap que logo mais se apagará.
Por essas e outras, o que mais vejo por aí são pessoas na defensiva. Gente que descrê em amores plenos e que constitui uma geração de cínicos cênicos, buscando se esquivar das possibilidades de um relacionamento mais sério. Porque tiveram decepções amorosas anteriores, têm seus corações calejados pelo ceticismo ou por um medo difuso de permitir que seus sorrisos dependam de outra pessoa. Com isso, todos os jogos do desejo e da paixão acabam se resumindo a uma única e simples regra: o primeiro que se declarar apaixonado, em um arroubo fatalmente distraído de sinceridade, torna-se o perdedor.
Não à toa, o monólogo do pai de Elio em "Me Chame Pelo Seu Nome", adaptação cinematográfica do romance de André Aciman, é o grande momento do filme. Por esta cena, Michael Stuhlbarg merecia ter sido indicado ao Oscar de ator coadjuvante, pelo modo emocionante como entoou estas palavras:
"Arrancamos tanto de nós mesmos, para nos curarmos das coisas mais rápido do que deveríamos, a ponto de ficarmos esgotados perto dos 30 anos, que acabamos tendo menos a oferecer cada vez que iniciamos uma nova história com outra pessoa. Mas se obrigar a ser insensível, e não sentir coisa alguma... Que desperdício! Como você vive a sua vida é algo da sua conta. Mas lembre-se, nosso coração e nosso corpo nos são dados apenas uma vez. E, antes que você se dê conta, seu coração estará esgotado. Quanto ao seu corpo, chegará um momento em que ninguém mais olhará para ele, muito menos chegará perto dele. Agora você está sentindo tristeza e dor, mas não as mate. Muito menos a felicidade que você sentiu."
Enquanto escrevia o texto acima, a canção que começou a tocar em minha jukebox mental foi "How Soon is Now", música gravada pelos Smiths em 1984, especialmente por causa dos versos em que Morrissey diz que é humano e precisa ser amado, assim como todo mundo.
Uma coisa leva a outra: recordar o hit dos Smiths (cujo riff me fez descobrir o significado de tremolo) também me fez lembrar de This Charming Charlie, tumblr que revelou para o mundo o quanto as tiras de Charles Schulz combinam bem com as letras melancólicas de Morrissey.
Perguntar não ofende: Qual a categoria de Oscar que deveria ser inventada, e qual filme merecia ser premiado por ela?
- Danilo F. Martins (@dofsmartins): Uma categoria que falta são os "feel good movies", que pra mim são aqueles filmes que fazem carinho na alma, mas não necessariamente são obras impecáveis. Como não vi muitos filmes no ano passado, indicarei três que se encaixam nesta categoria: "A Vida Secreta de Walter Mitty" (2013), "Homens de Preto 3" (2012) e "Compramos um Zoológico" (2011).
- Caroline Mancini (@carolccini): Poderiam criar uma categoria para premiar apenas novos diretores. Em uma indústria tão fechada, é mais fácil ver bons diretores fazendo coisas ruins porque não souberam se reinventar, do que novos diretores cheios de ideias que podem trazer um respiro para o cinema.
- Mariana Schmidt (@marisch): Seria legal ver um Oscar para as melhores performances de voz, sabe? Que premiasse atuações como as de Robin Williams em "Aladdin", Scarlett Johansson em "Ela", Andy Serkis nas franquias do Senhor dos Anéis e Planeta dos Macacos, e Amy Poehler em "Divertida Mente".
Pergunta da próxima edição: Amor que serena, termina? Respostas ríspidas, melancólicas, revoltadas, macambúzias e/ou interrogativas para inagaki2@gmail.com.
O tweet da semana, por @letrapreta:
P.S. 1: O título desta newsletter é a frase que encerra "Me Chame Pelo Seu Nome", o livro de André Aciman. Diga-se de passagem: foi o mais belo desfecho de romance que li desde o capítulo final de "Virgens Suicidas", de Jeffrey Eugenides.
P.S. 2: "Amor que serena, termina?". O questionamento desta semana é também o nome de um poema do argentino Juan Gelman, citado em uma entrevista feita com o escritor Pedro Juan Gutiérrez, que descobri graças à querida Carol Thomé.
P.S. 3: Em meio a tantas vias intituladas com nomes de mães de políticos ou personalidades históricas, me chamou a atenção um conjunto de ruas, no bairro paulistano da Lapa, com nomes poéticos como Cantiga do Desencontro, Tempo Reverso e Ramo de Rumos.
Qual a origem desses nomes? Em meu perfil no Instagram (@popcabeca), gravei uma série de Stories falando a respeito destas ruas: para assisti-las, acesse em seu celular http://instagram.com/popcabeca e, nos destaques do meu perfil, clique em "Ruas da Lapa". Você também poderá conferir um bate-papo com Marcelo Costa (toda semana postarei alguma mini-entrevista por lá).
P.S. 4: Minha indicação de YouTube desta semana é o Earworm, canal de análises pop da Vox produzidos pela videomaker Estella Caswell. Eis alguns dos assuntos de seus vídeos, que abordam aspectos inusitados da cultura contemporânea com o auxílio de ciência de dados e entrevistas com especialistas: por que mais músicas pop deveriam terminar com um fade out, uma mostarda que não para de ser citada em raps desde os anos 80, os motivos pelos quais gostamos tanto tanto tanto de repetições em letras de música, por que tantas personagens lésbicas morrem em séries de TV e 28 momentos em que a TV fez referências a filmes famosos.
P.S. 5: Você ainda não é assinante da #PenseNisso? Visite http://bit.ly/AssinePEPN e providencie sua assinatura: não custa nada. Ah, são os seus amigos que ainda não assinam esta newsletter? Então trate de espalhar este link, por favor: http://bit.ly/AssinePEPN.