#PenseNisso [S01E05] Sobre algoritmos, Carl Sagan e #HelpJeanBoechat
Pra não dizer que não falei de algoritmos, Carl Sagan e pescoço de SMS
Que há uma demanda crescente por outras redes sociais nas quais estejamos livres da ditadura dos algoritmos, que decidem o que supostamente gostaríamos de ver em nossas timelines, isso é fato: vide o súbito interesse pelo Vero. Lançado em 2015, ganhou hype nos últimos dias, alardeado pelos principais sites de tecnologia, graças a seu visual descoladex (o app é uma espécie de Instagram com layout mais cool e em modo noturno), por dizer a seus usuários que não exibirá anúncios nem terá algoritmos ditando o que aparecerá na timeline (mas toda rede social começa assim, né) e prometer que o primeiro milhão de usuários poderá usá-lo de graça pelo resto da vida. Resultado: o aplicativo do Vero emplacou o número 1 na lista de mais buscados na App Store.
Em compensação, o súbito aumento da demanda fez com que seus servidores caíssem mais do que na época das baleiadas do Twitter e mensagens de "no donuts" do Orkut. O tempo dirá (rapidamente, pelo jeito) se o Vero chegou só para fazer companhia ao ostracismo atual de outras empreitadas similares como Ello.co, Sarahah, Diaspora, Path, Yo, Hello, Google+, etc.
Fail Whale, a baleia que ilustrava as quedas do Twitter e que chegou a ser tatuada por um usuário mais entusiasmado da rede social.
Mais do que o aplicativo em si, porém, penso que o fato mais significativo deste súbito hype em torno do Vero é a necessidade crescente por alguma plataforma que traga maior privacidade, assim como um controle maior sobre o uso dos dados pessoais que cedemos e das publicações que aparecem em nossa linha de tempo, sem que algoritmos tomem essas decisões através de critérios nebulosos. Não creio que o Vero será a solução para esse dilema, uma vez que a plataforma vive fora do ar e o Twitter oficial do aplicativo é um corolário de pedidos de desculpas. Mas eu realmente gostaria de ver alguma alternativa viável ao crescente monopólio facebookiano, com um app no qual posts aparecem na ordem cronológica inversa, como nos tempos do Twitter moleque e do Instagram de várzea.
Enquanto isso, o alcance orgânico cada vez mais pífio das páginas do Facebook desanimou ainda mais os produtores de conteúdo. Redes sociais já tinham minado os blogs ao reterem a audiência e concentrarem comentários e réplicas em si mesmas; lembro que, na época em que meu blog ainda estava no ar, precisava publicar várias vezes no Twitter e Facebook divulgando novos posts, dispensando esforços crescentes a fim de que leitores clicassem em um link externo em vez de passarem o tempo todo distraídos pelo vórtice de atualizações da timeline. Não à toa, criei esta newsletter: tendo bem menos assinantes do que os 101 mil fãs de minha página no Facebook, consigo impactar mais pessoas e de forma bem mais significativa. Bola pra frente: o jogo segue e ficar parado não é alternativa.
O tweet da semana, por @Elesbao:
Foi em 1996 que Carl Sagan escreveu "O Mundo Assombrado pelos Demônios", livro movido pelo espanto com que o criador de "Cosmos" via o espaço crescente conquistado por teorias místicas e pseudocientíficas nos meios de comunicação. As palavras de Sagan, que morreu antes de ver as baboseiras difundidas atualmente por terraplanistas e militantes que criticam vacinas e descreem no aquecimento global, precisam ser constantemente relembradas. Deste livro, que é uma das minhas obras de cabeceira, quero resgatar este trecho que diz muito a respeito dos dias atuais:
"Conheço muitos adultos que ficam desconcertados quando crianças pequenas fazem perguntas científicas. Por que a Lua é redonda?, perguntam as crianças. Por que a grama é verde? O que é um sonho? Até onde se pode cavar um buraco? Quando é o aniversário do mundo? Por que nós temos dedos nos pés? Muitos professores e pais respondem com irritação ou zombaria, ou mudam rapidamente de assunto: 'Como é que você queria que a Lua fosse, quadrada?'. As crianças logo reconhecem que de alguma forma esse tipo de pergunta incomoda os adultos. Novas experiências semelhantes, e mais uma criança perde o interesse pela ciência. Por que os adultos tem de fingir onisciência diante de crianças de seis anos é algo que nunca vou compreender. O que há de errado em admitir que não sabemos alguma coisa? A nossa auto-estima é assim tão frágil?"
Neste outro trecho, Sagan parece descrever o funcionamento dos filtros-bolha em redes sociais:
“O físico britânico Michael Faraday alertou contra a tentação poderosa de procurar as evidências e aparências que estão a favor de nossos desejos, e desconsiderar as que lhes fazem oposição. Acolhemos com boa vontade o que concorda com nossas ideias, assim como resistimos com desgosto ao que se opõe a nós, enquanto todo preceito de bom senso exige exatamente o oposto. Como um terremoto que confunde a nossa confiança no próprio solo que estamos pisando, pode ser profundamente perturbador desafiar as nossas crenças habituais, fazer estremecer as doutrinas em que aprendemos a confiar."
Se eu fosse Presidente do Brasil, decretaria "O Mundo Assombrado pelos Demônios" leitura obrigatória em todas as escolas.
Perguntar não ofende: Amor que serena, termina?
- Fabiano Pereira: Tendo a crer que amor já é um sobrevivente da paixão. Quando passa o fogo, ou a brasa se mantém ou sobram as cinzas de algo que um dia foi muito intenso. Assim, amor é a serenidade do afeto. E, por ser amor, permanece. Se terminou, talvez não fosse amor.
- Kelli Semolini: Amor que serena perdura. Porque acho que, se serena, mesmo que o relacionamento acabe, o carinho fica.
Pergunta da próxima edição: O que faz você se apaixonar? Mande sua resposta para inagaki2@gmail.com: as respostas mais lúcidas, insanas, melancólicas, jubilosas e/ou esquizofrênicas serão publicadas na próxima newsletter.
P.S. 1: A indicação desta semana é um podcast com nome irresistível, que me fez lembrar das primeiras descobertas musicais que fiz ouvindo vinis e fitas K-7 do Seu Shiguehiko, o meu velho: Discoteca do Meu Pai. Aqui, a jornalista Julia Padovan comenta álbuns de todos os gêneros e estilos, incluindo artistas e bandas como Elvis Costello, Carole King, Fiona Apple, Joelho de Porco, Fleetwood Mac, Chitãozinho e Xororó e Nina Simone. Um podcast eclético, ágil (em média, são episódios de pouco mais de 10 minutos) e informativo.
P.S. 2: A cabeça humana pesa em média entre 4,5 a 5,5 quilos. Pensando no hábito cada vez mais recorrente de curvarmos nossos pescoços a fim de checar aplicativos e mensagens de celular, não é nada confortável descobrir que a atração gravitacional sobre a cabeça e a tensão acumulada no pescoço crescem até o equivalente a 27 quilos (!!!) de pressão. Não à toa, o "pescoço de SMS" está se tornando um problema médico que prejudica a postura e afeta o humor, comportamento e até a memória dos usuários mais viciados em smartphones. E isso pra não falar do impacto negativo em nossos bons modos e, claro, na capacidade de prestar a devida atenção ao mundo ao nosso redor. Leitura recomendada: Keep Your Head Up: How Smartphone Addiction Kills Manners and Moods, artigo de Adam Popescu para o NY Times.
P.S. 3: Jean Boechat é um cara bacana, que desde os primórdios da internet brasileira está à frente de iniciativas legais. Dentre outras coisas, escreve versos, é profissional com 26 anos de experiência em criatividade na comunicação, conselheiro e um dos fundadores do Beaba, ONG dedicada à desmistificação do câncer para as crianças. Jean sofreu um AVC em novembro de 2017, passou mais de 50 dias internado e, aos poucos, está se recuperando. Porém, sua reabilitação depende do pagamento de boletos pesados e de uma estrutura decente de médicos e equipamentos. Bora ajudar? #HelpJeanBoechat
P.S. 4: Gostei muito de encontrar no YouTube brasileiro o Canal Acessível, que surgiu com o intuito de reunir vídeos de cultura e entretenimento com recursos de acessibilidade para cegos (audiodescrição), mudos (legenda descritiva) e surdos (libras). Excelente iniciativa, que visa contemplar as 16 milhões de pessoas com alguma deficiência no Brasil.
P.S. 5: Em tempos nos quais tudo parece ter potencial para virar meme, eis que a jornalista Carol Tavares escreveu um livro intitulado "Lições Empresariais de Game of Thrones", que foi citado na fanpage Empreendedor Nem é Gente e, de lá, acabou indo parar no BuzzFeed Brasil (em um contexto previsivelmente não muito favorável). Carol falou sobre essa experiência em um artigo que vale pela reflexão a respeito de como, por causa de uma piada, uns likes, compartilhamentos e RTs a mais, seres humanos do outro lado da tela podem se ferir.
P.S. 6: Agradecer nunca é demais, certo? Aproveito, pois, para mandar meu muito obrigado às mensagens queridas que recebi de leitores como Lia Amancio, Paulo Bicarato, Erika Baruco, Tommy Beresford, Danilo F. Martins, Pryscila Vieira, Marcia Naidin, Cássia Afini, Douglas Lopes, Bruno Alves, Nina Rocha, Mario Aragão, Adônis D.T., Diana Pádua, Ailton Mesquita e Caio Costa. E, por fim, deixo um agradecimento especial ao meu xará Alexandre Linares, que me enviou uma carta manuscrita junto com um livro de presente. Criar uma newsletter é uma das coisas mais gratificantes que fiz dentro do meu projeto pessoal #tododiaalgonovo. :)
P.S. 7: Gostou desta newsletter e acha que pode interessar a outras pessoas? Pretende compartilhar algum dos links ou textos publicados nesta edição? Então me ajude a espalhar a palavra, por favor, divulgando o link para assinar esta newsletter: http://bit.ly/AssinePEPN. Ah, e aproveite para me acompanhar no Twitter (@inagaki) e no Instagram (@popcabeca). Servimos bem para servir sempre!