#PenseNisso [S02E01] 5 anos que valeram por 50 (e 10 vídeos para entender a Eurovision)
Retomando atividades newsletteiras no ano da 67ª edição do maior e mais divertido concurso musical do mundo
Antes de mais nada: você está recebendo esta newsletter e não lembra de tê-la assinado? Pois saiba que é possível que você tenha feito isso no longínquo ano de 2018, quando enviei sua 1ª edição para algumas centenas de pessoas que, após cinco anos, três presidentes e uma pandemia, provavelmente nem se recordam que cometeram tal ato.
Outros tempos. Naquela época, termos como “ressignificar”, “layoffs” e “NFT” não faziam parte do vocabulário cotidiano, ninguém usava expressões como “é sobre isso e está tudo bem” e sequer imaginaríamos que sofreríamos da fadiga de ver nossa própria imagem em uma janela de sala de reunião no Meet ou Teams.
Foram anos em que nos intoxicamos com o absurdo crescente da realidade, ensaiando uma defesa de distopias reais munidos com memes, stickers e vídeos de TikTok. Na busca de um refúgio efêmero caminhando pela corda bamba de sentimentos vastos que oscilaram entre a gratiluz alienada e o cinismo estéril, a indignação difusa e o narcisismo anabolizado, nos desviando feito Neo das balas de Matrix em meio a burnouts, ghostings, deadlines, boletos a pagar.
Mas enfim, sobrevivemos. Um pouco mais surtados, paranóicos, ressentidos e calejados? Possivelmente. Aprendemos alguma lição depois disso tudo que ainda estamos vivendo? Depende do quanto a sua mente ainda é capaz de reter informações por mais de alguns minutos. Pensar continua enlouquecendo? Ô! Mas é melhor prosseguir pensando do que fingir que você não tem nada a ver com tudo isso que anda rolando à nossa volta. Autoconhecimento gera desconforto, mas é fundamental pra gente compreender o nosso papel de questionamento e mudança necessários para a sobrevivência neste mundo imperfeito. E aqui, aproveito para lembrar uma frase da imortal Rita Lee: “Gosto de mim, mas não é muito confortável ser eu”.
Então bora? Bora! Mas tentando dar uma segurada na ansiedade de quem acelera mensagens de áudio do WhatsApp, vive relacionamentos que já não são mais líquidos, tornaram-se gasosos, engole atarantado os momentos presentes e vive engasgado porque não consegue mais destinar uma pausa para um momento de silêncio, de leitura descompromissada, de caminhada a esmo no meio da tarde. Com pés descalços sentindo a areia da praia, a grama do parque, a terra enlameada, alguma coisa sólida capaz de nos resgatar a sensação de tangibilidade e um pouco de estabilidade neste mundo cada vez mais volátil e volúvel.
Quem me acompanha em redes sociais (@popcabeca no Instagram e @inagaki no Twitter) já sabe que uma de minhas obsessões pop é a Eurovision, concurso que surgiu em 1956 com o objetivo de congregar os países da Europa (além de convidados especiais como Austrália e Israel) em torno de um assunto que mobiliza paixões, embala sonhos, inspira multidões: música.
Cada nação participante seleciona, anualmente, uma canção para representá-la na Eurovision. Ela deve ser inédita e não ultrapassar os 3 minutos de duração. O concurso, que é transmitido ao vivo e acompanhado por cerca de 160 milhões de espectadores, costuma ser sediado pelo país que venceu a edição anterior. Os resultados são decididos por júris especializados e pelos televotos de cada país, que atribuem pontuações a suas dez canções favoritas (12 pontos para o 1º colocado, 10 para o 2º e de 8 pontos a 1 distribuídos para a 3ª até a 10ª música selecionada).
Apesar de a edição anterior ter sido vencida pela Ucrânia, neste ano a competição está sendo sediada em Liverpool, Inglaterra, por causa da invasão russa (em 2022, o Reino Unido ficou na 2ª posição). Quem acompanha a Eurovision sabe que encontrará de tudo um pouco em seu palco: canções que variam do sublime ao kitsch absoluto, performances acrobáticas e uma diversidade maravilhosa que faz com que tenhamos a oportunidade de ouvir rocks cantados em esloveno, baladas armênias, raps ucranianos, músicas de países como Geórgia, Azerbaijão ou Moldávia que dificilmente conheceríamos se não fosse por esta celebração anual.
Como sei que uns 90% dos brasileiros não têm ideia do que seja a Eurovision, fiz uma curadoria de vídeos que ajudam na compreensão deste fenômeno que mobiliza uma audiência internacional maior do que o Grammy, o MTV Video Music Awards e qualquer outro evento que você possivelmente conheça melhor.
1 - O número musical que parodiou todos os maiores e melhores clichês do festival.
Instrumentos exóticos e sons étnicos! Violinos misturados com scratches de DJs! Homens com peitos desnudos e mulheres vestidas lascivamente! Pirotecnias no palco, iluminações grandiloquentes e uma canção que fale de paz e amor! “Love, Love, Peace, Peace”, sátira musical apresentada na edição de 2016, é uma ótima introdução para o singelo universo da Eurovision, ao reunir os principais truques para chamar a atenção, para o bem e para o mal, de sua fiel audiência.
2 - A primeira música que ganhou o Grammy de Música do Ano e Gravação do Ano na História sequer venceu a Eurovision.
Na 3ª edição da Eurovision, realizada em 1958, a Itália foi representada por Domenico Modugno, com a canção “Nel Blu, Dipinto di Blu“. Pelo título original, você talvez não a reconheça; mas, ao ouvir as primeiras notas, se não for você certamente seus pais ou avós lembrarão desta música que também é conhecida como “Volare”. Embora ela tenha ficado só na 3ª colocação daquela edição, tornou-se um sucesso que ultrapassou as fronteiras europeias. E, quando os EUA promoveram a 1ª edição do Grammy, em 1959, Domenico Modugno superou concorrentes como Frank Sinatra e Peggy Lee, consagrando “Volare” como a primeira faixa a ganhar os prêmios de Gravação do Ano e Música do Ano. Ao longo das décadas, a música foi regravada por nomes como Dean Martin, David Bowie e Gipsy Kings.
3 - O ano em que o mais polêmico e provocativo dos compositores franceses fez a música pop vencer o festival pela primeira vez.
De 1956 até 1964, os gêneros musicais mais comuns no palco da Eurovision eram baladas, valsas, blues, chansons, boleros. Até que, em 1965, deu as caras o gênio Serge Gainsbourg, conhecido por composições polêmicas e sensuais como “Je T'Aime... Moi Non Plus“ (cuja letra descreve um diálogo entre dois amantes durante uma relação sexual e termina com os gemidos pouco discretos de Jane Birkin) e “Bonnie and Clyde” (outro dueto antológico de Gainsbourg, desta vez com a atriz Brigitte Bardot).
Na voz de France Gall, Serge cunhou a Luxemburgo uma música muito mais contemporânea do que aquelas que costumavam ser apresentadas no palco da Eurovision. E foi assim que o pequeno país vizinho da França ganhou aquela edição com a antológica “Poupée de Cire, Poupée de Son“.
4 - O maior ídolo da música romântica latina foi revelado pela Eurovision nos anos 70.
O espanhol Julio Iglesias já vendeu mais de 250 milhões de discos e recebeu mais de 2.600 álbuns de platina, graças às suas músicas gravadas em 14 idiomas diferentes. E foi revelado para o mundo no palco da Eurovision de 1970, em que apresentou “Gwendolyne“, balada composta e interpretada por ele mesmo, intitulada com o nome de sua namorada na época. A canção acabou em 4º lugar, mas serviu como o pontapé inicial para a carreira de um dos cantores românticos mais populares de todos os tempos.
5 - Você pode nunca ter ouvido falar na Eurovision, mas certamente conhece esta banda sueca que venceu em 1974.
A não ser que você tenha menos de 18 anos de idade ou tenha sido abduzido por aliens, você provavelmente já ouviu alguma canção do ABBA. o grupo sueco nomeado com as iniciais de seus integrantes: Agnetha Fältskog, Björn Ulvaeus, Benny Andersson e Anni-Frid Lyngstad. E que venceu, de forma incontestável, a Eurovision de 1974 apresentando como cartão de visitas um hit antológico: “Waterloo”.
6 - A música da Eurovision que inspirou o surgimento de um grupo infantil que estourou no Brasil com a canção “Comer, Comer”.
Em 1979, a Alemanha ficou em 4º lugar com a canção “Dschinghis Khan”, intepretada pelo grupo homônimo.
Pouco tempo depois, o grupo The Fevers fez sucesso no Brasil com uma versão em português dessa mesma música. Mas o melhor estava por vir: um grupo intitulado Brazilian Genghis Khan, cujos integrantes faziam cosplay da banda alemã original, se apresentando em programas como o Clube do Bolinha. E que, em 1983, fizeram sucesso nacional com a música “Comer, Comer” (“é o melhor para poder crescer!”).
7 - A cantora canadense que deu o título para a Suíça e anos depois embalaria o filme com a maior bilheteria de todos os tempos.
Abstraia o vestido usado por Céline Dion na final da Eurovision de 1988 e se impressione com o alcance vocal de sua performance em “Ne Partez Pas Sans Moi“, canção que fez da Suíça o país campeão daquele ano. Sua participação fez com que o mundo conhecesse a diva responsável pela mais elegante mudança de tom de toda a música pop.
8 - A capacidade ímpar que a Eurovision tem de mobilizar pessoas e fazê-las vibrarem como numa final de Copa de Mundo.
Assistir ao vídeo acima, que mostra os comentários entusiasmados da TV espanhola antes da performance de Pastora Soler cantando “Quédate Conmigo“, em 2012, é uma boa amostra da capacidade que a Eurovision tem de mobilizar nações. E, de fato, os espanhóis tinham motivos de sobra para vibrar com sua representante: ouça a nota antológica que Pastora solta no terceiro minuto deste vídeo, e junte-se a todos que até hoje não se conformam pelo fato dela ter ficado apenas na 10ª colocação do concurso daquele ano.
Mas o vídeo mais significativo vem a seguir: a reação da plateia que lotou uma sala de cinema em Coria Del Río, cidade natal de Soler. Gritos, buzinas, pessoas absolutamente enlouquecidas, vibrando e aplaudindo merecidamente uma das performances vocais mais poderosas de toda a história da Eurovision.
9 - A noite em que uma cantora trans rompeu a bolha no Brasil e fez com que a Eurovision ganhasse destaque na Globo.
Impecavelmente elegante, munida de um vestido longo e uma barba no rosto, Conchita Wurst deu à Áustria uma vitória arrasadora na edição de 2014, com sua interpretação impecável de “Rise Like a Phoenix“, que fala de renascimento e transformação. Porém, ao mesmo tempo que Conchita tornou-se motivo de orgulho da comunidade LGBTQIA+, também despertou reações raivosas. Terry Wogan, comentarista inglês há decadas da Eurovision nas transmissões da BBC, afirmou que a vitória de Wurst teria feito do festival um “freak show”. Políticos russos disseram que a cantora austríaca representaria “o fim da Europa”. Enfim, toda uma série de asneiras preconceituosas vociferadas a esmo.
A vitória de Conchita também representou a primeira vez em que ouvi falar da Eurovision, graças a uma matéria exibida no Fantástico que dizia: “Fora da Europa, quem soube do resultado pelo noticiário ficou em dúvida: um vencedor ou uma vencedora?“
Vale lembrar que, anteriormente, a Eurovision havia consagrado a cantora trans israelense Dana International, vencedora da edição de 1998 com o hit disco “Diva”. E que, em 2007, a sérvia Marija Šerifović ganhou com sua emocionante interpretação de “Molitva“, celebrando o amor entre mulheres.
10 - Acompanhar o resultado das votações é tão emocionante quanto ver as apresentações ao vivo.
Cada final da Eurovision costuma durar cerca de 4 horas. Há o desfile de bandeiras, os apresentadores explicando as regras da competição, as 26 performances musicais de cada país e os shows de intervalo que rolam enquanto a votação é aberta ao público (aliás, pela primeira vez os brasileiros poderão votar também: visite https://www.esc.vote e siga as instruções). Ao final de tudo isso, o júri profissional de cada país anuncia seus votos e, na sequência, os apresentadores informam os pontos dados pela audiência, começando pelos países que obtiveram pontuações menores até o momento.
A sequência dos televotos da edição de 2021 com certeza foi uma das marcantes de toda a história da Eurovision. Há emoção, suspense, drama, plot twists, mudanças constantes na liderança do placar, pontuações surpreendentes e reações que se tornaram memes imediatos. Se assistir ao vídeo acima já garante entretenimento de sobra, imagine acompanhar a votação em tempo real, torcendo pelas suas músicas favoritas.
Esta é a grande semana da Eurovision 2023. Após a realização de duas semifinais na terça e quinta, esta newsletter chega a tempo de informar que você poderá acompanhar a finalíssima no sábado, dia 13, a partir das 16 horas (horário de Brasília), que será transmitida no canal oficial do YouTube, no perfil do TikTok e em alguns canais de TV por assinatura como a RTP Internacional e a TVE espanhola.
Conheça todas as músicas participantes deste ano nesta playlist do YouTube ou baixando o aplicativo oficial para iOS ou Android. E prepare-se para torcer pelas suas músicas favoritas. Meu top 10 deste ano tem Israel, Finlândia, França, Espanha, Geórgia, Áustria, Estônia, Bélgica, Armênia e Portugal. Quem levará a Eurovision deste ano e conquistará o direito de sediar a próxima edição em maio de 2024? Veremos. :)
Se você sequer sabia do que se trata a Eurovision e teve a paciência de chegar até aqui, muito obrigado pelo tempo dispendido. Não pretendo redigir artigos tão extensos, mas espero que você me dê um desconto porque abordei um tema que amo e porque, né, demorei singelos 5 anos para ressuscitar esta newsletter. Mas já adianto que cultura pop, cultura digital, comportamento, relacionamentos, política e memes deverão ser assuntos frequentes por estas bandas.
Se você gostou do que leu, divulgue este projeto, encaminhe esta newsletter para os amiguinhos e inimiguinhos, aproveite para me seguir no Instagram (@popcabeca), deixe um comentário na página no Substack… Enfim, mande aquela interação marota, que eu agradecerei de coração. <3
Que bom que vc voltou a escrever! Descobri o Eurovision através do filme homônimo na Netflix. Este ano quero assistir o festival porque corre à boca pequena que Maneskin fará uma performance no sábado.
Admito que sou muito ignorante sobre Eurovision. Mas fiquei feliz demais em vê-lo de volta, Inagaki!